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terça-feira, 26 de maio de 2009

Garapa documentário gravado em Choró chocou Berlim e Nova York


Padilha de volta ao cenário de \''Garapa\''Caatinga e pastos verdes, rios e açudes transbordando, aguadas dos dois lados da estrada que nos leva de Fortaleza para Quixadá, no semi-árido cearense. É uma paisagem bem diferente daquela que o cineasta José Padilha encontrou ao passar 45 dias na região, em 2005, para filmar Garapa, o documentário sobre o Brasil que ainda passa fome, que estréia em circuito nacional no dia 29 de maio.


José Padilha com Francisca e alguns dos filhos

O fotógrafo Manoel Marques e eu acompanhamos a viagem de Padilha, agora levando a mulher, Jô, e o filho, Guilherme, de cinco anos, até Choró, antigo distrito emancipado de Quixadá, onde vivem três das quatro famílias protagonistas do filme.

A reportagem sobre Padilha e o que mudou na vida delas nestes quatro anos será publicada na edição de junho da revista Brasileiros.

É tanta água inundando este sertão das secas sem fim que não conseguimos chegar até a casa de duas famílias.

A estrada de Choró para Canindé simplesmente rachou ao meio, com a enxurrada levando o asfalto e deixando uma cratera de uns 20 metros de fundura separando as duas partes.

Já perdi a conta de quantas vezes vim ao nordeste para fazer reportagens sobre a seca e a fome, desde o final dos anos 60 do século passado, quando trabalhava no Estadão. Podiam mudar os cenários e os personagens, mas a história era sempre a mesma.

Na seca de 2001/2002, trabalhando na Folha, descobri algumas ilhas verdes em meio à paisagem esturricada na divisa do Ceará com Pernambuco. Combinei com o fotógrafo Jorge Araújo mudar o foco da reportagem.

Procuramos mostrar que, se o clima e o solo eram os mesmos para todos, em algumas regiões o povo conseguia conviver melhor com a seca, plantando e comendo, graças à ação de entidades reunidas em torno da Articulação do Semi-Árido (ASA), uma ONG do sertão.

Com o fornecimento de sementes, o auxílio de máquinas e insumos para preparar a terra e a construção de cisternas, milhares de sertanejos haviam melhorado de vida. As fotos do Jorge Araújo retratando esta outra realidade surpreenderam não só os leitores, mas também os editores do jornal.

Desta vez, minha surpresa foi encontrar luz elétrica e água encanada na casa de pau-a-pique de uma das famílias do filme de Padilha, que agora não passa mais fome, mas ainda não conseguiu sair da miséria.

Francisca Robertina André Jerônimo, bisneta de índios, não sabe a idade, o nome do pai, nem o número exato de filhos. Eram 11 na época das filmagens, são 13 agora, todos morando nesta casa escura de quatro comodos, coalhada de moscas, que só tem uma pequena janela. O banheiro é o mato mais próximo.

Quatro são do atual companheiro, Severino de Souza Feitas nos documentos, mas que todos só chamam de Luiz. Robertina parece estar grávida de novo, mas ela nega.

Com a ajuda de R$150 mensais, que a produtora de Padilha e seu sócio Marcos Prado envia todos os meses para as famílias, mais os R$ 138 do Bolsa Família, os filhos já não se alimentam só à base de Garapa, como chamam a mistura de água com açucar, que acabou batizando o filme.

Não faltou mais comida para a família, que dorme dividida em três redes ou pelo chão. Com as enchentes, Luiz consegue até pegar uns peixes para a mistura, sem muito esforço, no corrego que se formou nos fundos da sua casa.

O repórter e Robertina Os dois não trabalham. Robertina, que é lavadeira, porque precisa cuidar do monte de filhos. Luiz alega que os fazendeiros estão sem dinheiro para pagar as diárias de R$ 15 e está faltando serviço na roça.

A vida mudou muito nestes sertões, 40 anos depois que eu vim parar aqui a primeira vez e, quatro, após a filmagem de Garapa. Agora tem água encanada, luz e comida na maioria das casas, e as crianças vão para a escola.

Mas a tristeza da falta de perspectiva na rotina miserável ainda é a mesma, afogada na cachaça que une as vidas de gente como Robertina e Luiz, dois brasileiros que apenas sobrevivem graças à ajuda do governo e de voluntários que lhes prestam assistência.

A realidade da vida aqui, podem crer, que chocou tantos críticos e convidados nas pré-estréias de Garapa em Berlim, Nova York, São Paulo e Rio, é ainda mais dramática do que as cenas em preto e branco deste documentário em forma de reportagem ao vivo.


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