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quinta-feira, 16 de abril de 2009

Pedras, profecias e extraterrestres: No vale do imaginário de Quixadá

No silêncio do mosteiro-pousada São José, antigo convento beneditino do século XIX, no alto da Serra do Estevão, a 20 quilômetros da sede do município de Quixadá, a conversa com irmã Olivar de Almeida Pinho, administradora do lugar há seis anos, flui sem preocupação com as horas. O dia está claro e quente, diferente da noite, em que nas épocas mais frias a temperatura pode chegar a menos de 20 graus.

O mote é sobre o desenvolvimento da cidade, o que dá margem para que irmã Olivar fale com orgulho da chegada da usina de biodiesel e dos campi universitários. Na tranquilidade do mosteiro, é impossível que a prosa não se volte às belezas naturais da região. Já na subida da serra, em curvas fechadas que levam à pousada, situada a aproximadamente 580 metros do nível do mar, o visitante se depara com a exuberante cobertura vegetal, que nos períodos de chuva proporcionam cenários encantadores compostos por cachoeiras e lagos cheios.

Antes da subida da serra, a extensa planície recortada por monólitos com seus desenhos provocativos prende a atenção de quem vai ao lugar pela primeira vez e abre brechas para fantasias imaginárias, como a Pedra da Galinha Choca e as rochas que entornam o açude do Cedro. Impossível não considerar Quixadá um oásis em meio a crueza da paisagem rústica do sertão central cearense. Não só pelas formas, mas também - e principalmente - pelos contrastes.

Irmã Olivar tem noção disso. Talvez o povo quixadaense não tenha. Para a religiosa, ele daria valor a essas belezas na medida do possível, diz ela, demonstrando certo receio em ser afirmativa. O fato é que estudos recentes realizados por professores e alunos da Universidade Regional do Cariri (Urca) apontam aspectos de degradação dos monólitos quixadaenses. Aspectos que, segundo o estudo da Urca, teria relação com a omissão do poder público no sentido de coibir a ação humana, e o próprio desapego das populações que residem nas áreas próximas desses sítios naturais. Como pano de fundo, o trabalho sugere a urgente aplicação da legislação ambiental e o disciplinamento do uso e ocupação do solo em que estão inseridos.

Enquanto isso não acontece, os monumentos naturais de Quixadá continuam sendo cada vez mais utilizados para a prática de esportes radicais como vôo livre, escalada e rappel, bem como para trilhas que conduzem a cavernas e paredões com alturas que podem chegar a até 90 metros. Atividades praticadas na grande maioria por esportistas de outras regiões do Brasil e de fora do País.

Frequência que também é majoritária no mosteiro da Serra do Estevão. Segundo irmã Olivar, 90% dos hóspedes é de Fortaleza. "Temos uma clientela antiga e fiel. As pessoas dão valor a essa tranquilidade. Vêm para renovar as forças físicas e espirituais, diz. O local é também referência histórica, pois foi em um de seus quartos que o presidente Castelo Branco passou sua última última noite, no dia 17 de julho de 1967. No dia seguinte ele morreria na queda de um avião retornando a Fortaleza.

A cidade é ainda berço dos profetas, que, ao lidar com informações brotadas da natureza, lançam seus prognósticos sobre as chuvas no Estado, e das famosas rotas de discos voadores. É nesse imenso vale do imaginário, marcado por pedras esculpidas pela água e o vento, leituras da natureza e caminhos de extraterrestres, que Quixadá se insere para além do seu próprio umbigo. Que assim, seja!

Voo livre
- Quixadá, palavra de origem indígena que significa "pedra de ponta curvada", é considerado um dos melhores destinos do mundo para a prática de voo livre, já tendo sido palco de campeonatos internacionais da modalidade. Além dos muitos pontos privilegiados para se alçar vôo a partir dos monólitos, a cidade conta com correntes térmicas de ar gerando jornadas nos céus mais emocionantes e prolongadas.

Patrimônio
- Em setembro de 2004 o conjunto de serrotes de Quixadá passou a ser considerado patrimônio nacional por constituir uma paisagem de extraordinária beleza no cenário natural. Os serrotes são conhecidos pelos cientistas como monólitos ou inselbergs, palavra de origem alemã que significa montanhas de pedra. Estas rochas estão na paisagem como que flutuando no solo, assim como os inselbergs, montanhas de gelo, que flutuam no mar.

3 PERGUNTAS

EUDORO SANTANA

Secretário-executivo do Conselho de Altos Estudos e Assuntos Estratégicos da Assembleia Legislativa, o ex-deputado Eudoro Santana tem se voltado à discussão do problema hídrico no Estado. No ano passado, coordenou o estudo Pacto das Águas, um trabalho que a partir de visões de vários setores está propondo uma nova perspectiva para essa realidade no Ceará.

O POVO - A questão hídrica no Ceará é um problema inerente à condição climática da
região na qual o Estado está inserido. Além disso, enfrentamos ainda o problema de degradação ambiental que piora esse quadro. Que perspectivas o senhor vislumbra para o Ceará em relação ao problema?
Eudoro Santana - A questão climática e o fato de se inserir na região semiárida contribuem para o cenário atual dos recursos hídricos no Estado. Além disso, outros fatores agravam a situação: degradação ambiental, falta de saneamento básico, pouca educação ambiental etc. Penso que há uma nova cultura da água em gestação e a gente tem observado isso, com muita esperança, nos encontros do Pacto das Águas.

OP - A água, como bem escasso em nosso Estado, é por isso mesmo um bem que traz alegria ao nosso povo. No entanto, o que temos visto, é uma falta de cuidado quanto a seu uso. A que o senhor credita esse fato?
Eudoro - Além de trazer alegria para o nosso povo, a água interfere com muita força no imaginário popular. Por isto mesmo, é contraditório o fato do nosso povo não cuidar com mais carinho da nossa água. Só a falta de uma política forte de educação ambiental e convivência com o semiárido pode ser justificativa. Falta, na verdade, uma pedagogia para o melhor uso das águas.

OP - O cearense tem a característica de ser um povo desbravador, que enfrenta suas agruras com criatividade e ousadia. O senhor vê alguma relação entre esse perfil e a nossa condição de eterno sofredor em virtude de termos de conviver com essa dependência climática?
Eudoro - Não há dúvida de que "o nordestino é antes de tudo um forte". Entretanto, essa postura de sofredor, de "flagelado da seca", cultivada pela ação política conservadora ao longo de muitos anos no combate à seca criou, por outro lado, uma dependência em nosso povo das ações públicas. Por outro, impediu que esse mesmo povo convivesse com mais criatividade com essa realidade e tirasse dela o potencial positivo que ela esconde. Mas essa postura está se modificando a cada dia.

Frase
"Na história do Brasil eu tenho vários heróis, todos revolucionários: Tiradentes, Antônio Conselheiro..."
Frei Beto, teólogo e escritor
Fonte: O Povo
Luiz Henrique Campos e Thiago Cafardo

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