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domingo, 4 de janeiro de 2009

LIVRO: Retrato crítico da revolução


Leia trecho do livro “Fidel - Um Retrato Crítico”, livro de Tad Szulc, uma das obras mais importantes sobre a revolução cubana

Avançando apoiado em seus cotovelos e joelhos, tão lentamente que seu corpanzil nem parecia se mover, o homem suado, com uniforme verde-oliva todo rasgado, seus óculos de tartaruga no rosto barbudo, deslizou cuidadosamente pelo baixo canavial, até ficar inteiramente coberto por uma espessa camada de folhas. Em sua mão direita, ele levava um fuzil com mira telescópica, arma de fabricação belga, calibre .30-06, seu único objeto de valor.

Aquele homem de alta estatura era advogado de trinta anos de idade chamado Fidel Alejandro Castro Ruz, o mais impetuoso e ardente apóstolo do desencadeamento de uma revolução social e política em Cuba, e agora - ao meio dia de 6 de dezembro de 1956, uma quinta-feira - um homem que se defrontava não só com o fim iminente de seus sonhos, como também com sua própria morte.

Os cubanos já conheciam Fidel Castro, havia muitos anos, como um conspirador muito falante porém ineficiente: um perdedor. Para o mundo exterior e, principalmente para os Estados Unidos, um país vizinho, ele era no máximo apenas mais um agitador do Caribe, de cuja existência a administração Eisenhower ainda não havia tomado conhecimento.

Esta ignorância dos norte-americanos refletia a atitude tradicional com relação a Cuba, a coisa mais parecida com um protetorado que os Estados Unidos tinham no hemisfério ocidental: Washington não precisava se preocupar com a política ou com os políticos cubanos porque seus administradores coloniais em Havana sempre mantinham o governo norte-americano a par do que ocorria. A idéia de que dentro de poucos anos Fidel Castro viria a estabelecer o primeiro Estado comunista nas Américas teria sido repudiada como ridícula, se alguém a sugerisse em dezembro de 1956.

Naquele momento, na verdade, Fidel Castro e seu grupo rebelde absurdamente pequeno - que havia desembarcado quatro dias antes na costa sul de Oriente, a província cubana onde nasceu Fidel, depois de uma viagem quase fatal desde o México - estavam completamente cercados por tropas governamentais. Os expedicionários exaustos e famintos tinham sido desbaratados e postos em fuga na tarde anterior, em sua primeira batalha em terra firme.

A idéia de se renderem aos soldados do ditador Fulgencio Batista y Zaldívar, o presidente que ele e os 81 rebeldes pretendiam depor, jamais ocorrera a Fidel, filho de um espanhol valentão. Pelo contrário, ele tinha aquela certeza do triunfo própria dos visionários quando tudo parece impossível e todas as chances estão matematicamente contra eles.

Na última vez que estive em Havana para ver Fidel Castro, ele estava às vésperas de seu sexagésimo aniversário, e o encontrei filosofando um pouco sobre a vida. Entre outras noções, ele acreditava firmemente ter sido o destino que, há mais de um quarto de século, fez com que ele escalasse as alturas e atingisse o ápice de sua força.

O assunto fazia parte de uma conversa mais abrangente sobre a história e as condições humanas, que tivéramos tarde da noite em seu gabinete, à vontade ao afirmar que alguns líderes eram destinados a representar papéis cruciais no desenrolar da história da humanidade, e que ele, sem dúvida, era um deles.

Então, ele passou a desenvolver seu tema histórico favorito: a tese de que tais líderes podem influir subjetivamente nas condições objetivas de um país. Para Fidel, esse é um ponto de vista absolutamente vital para uma interpretação correta da Revolução Cubana, visto que ele conseguiu provar que estavam erradas as teorias clássicas dos chamados “velhos” comunistas cubanos. Esses comunistas haviam insistido na assertiva de que uma revolução popular, como a apregoada por Fidel, seria impossível em Cuba, porque as necessárias “condições objetivas”, definidas por Karl Marx, não predominavam no país; coerentemente com seus princípios, eles deram costas à insurreição fidelista até os últimos meses. De maneira inaudita, os comunistas de Cuba foram, portanto, cooptados e aceitos por Fidel Castro (que não pertencia ao partido), em vez de ter acontecido o contrário. Eles acabaram se colocando em uma situação em que não tinham escolha.

A verdade é que, nos primeiros dias, os comunistas ortodoxos rejeitavam ainda mais a heresia ideológica de Fidel Castro (ou, no ponto de vista deles, a arrogância desmedida de Fidel) quando postulava que “a personalidade de um homem pode transformar-se em um fator objetivo” em uma situação mutável. Naturalmente, Fidel sempre teve a si mesmo em mente nesse contexto. Os marxistas-leninistas tradicionais, com seus trinta anos de experiência em um partido cujas diretrizes vinham de Moscou, com atividades confinadas à organização de greves trabalhistas de protesto ou alianças de frentes populares com políticos burgueses (inclusive Fulgêncio Batista na década de 1940), jamais conseguiriam entender que a personalidade de um único homem pudesse, de fato, desencadear uma revolução nacional. Apenas Fidel Castro e os mais fiéis fidelistas poderiam acreditar em tal absurdo.

Devemos lembrar que, em 1956, o Partido Comuinista Cubano - conhecido, anteriormente, como Partido Socialista Popular e declarado ilegal por Fulgêncio Batista após o golpe de 10 de março de 1952 - recebia suas ordens (e opinões) do Kremlin. Entretanto, os soviéticos, evidentemente, não haviam aprendido nada com a guerra civil chinesa, quando Mao Tse-Tung demonstrou que, contrariamente à teoria stanilista, o comunismo poderia prevalecer apenas quando desfrutasse de apoio total por parte dos camponeses, e que o controle das cidades não era suficiente.

Fidel Castro não estava propondo uma revolução de camponeneses em Cuba, porém, como peça central de sua estratégia, ele imaginava a tática de guerrilha se expandindo com o apoio dos homens do campo, a partir de um núcleo na montanha, engolfando com o tempo toda a ilha - um conceito que os comunistas mais voltados para as ideologias não podiam absorver. Conseqüentemente o partido enviou um emissário ao México, em novembro de 1956, para dissuadir Fidel de seus planos., anunciados publicamente. As atitudes dos comunistas com relação a Castro, naquela fase e depois, perfazem um relacionamento intensamente fascinante e complicado.

De uma maneira que nem os “velhos” comunistas cubanos nem os Estados Unidos tiveram capacidade de entender à época - e Moscou e Washington talvez ainda não entendam por completo nem mesmo agora -, Fidel Castro edificou sua revolução, primordialmente, assentada nos sentimentos históricos de Cuba.

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