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sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Polícia de José Serra entra em escola para espancar estudantes


polícia Militar de São Paulo reprimiu com violência desmedida um tumulto provocado por estudantes da Escola Estadual Amadeu Amaral, no bairro do Belém, na zona leste de São Paulo. Vários alunos foram atingidos com golpes de cassetete. A diretora da escola chegou a desmaiar diante da confusão. A secretaria de educação de São Paulo, que tem se mostrado incompetente para tratar as questões educacionais, não viu maiores problemas no episódio. Em nota, disse que ''a direção da escola tomou a atitude correta de acionar a polícia para conter os alunos envolvidos no caso.''


O confronto começou às 9h20 desta quarta-feira (12), quando, sem motivo claro, 30 alunos começaram a destruir a escola. ''Meninos embrulhavam os pulsos em camisetas para estourar os vidros com socos. Cadeiras foram arremessadas do 2º andar, depois de arrebentar as janelas'', contou uma aluna da 7ª série.


O quadro agravou-se porque, dez minutos depois de iniciada a depredação, duas adolescentes, uma de 15 anos e outra de 18 anos, começaram uma briga violenta de unhadas e puxões de cabelos. A rivalidade entre as duas existe desde o início do ano e piorou quando uma acusou a outra de ''prostituta''. Enquanto a destruição se propagava por todo o prédio, os professores, com medo, trancaram-se em uma sala de aula.


Não foi a primeira vez que a Amadeu Amaral viu-se às voltas com cenas de violência. Anteontem mesmo, por causa de uma excursão a um museu, quando só uma parte dos alunos foi autorizada a participar do passeio, os excluídos abordaram a vice-diretora, Denise Mayumi Cavali, na hora da saída. Um aluno de 15 anos empurrou a professora contra o portão e xingou-a. Ela teve que pular um muro para fugir.


Na segunda-feira, as aulas foram encerradas às 11h (o horário normal é às 16h), por causa de outro surto de vandalismo, vidros e cadeiras quebrados.


Escola modelo?


Fundada em 1909 no largo do Belém, bem em frente à igreja, a escola ocupa um prédio amplo, tombado pelo patrimônio histórico, mas que hoje é usado por apenas 277 alunos, atendidos por 63 professores. É uma das 500 escolas em que a Secretaria de Estado da Educação implantou o regime de turno integral. Alunos entram às 7h e saem às 16h.


''Isso aqui é um fracasso como escola'', diz Neide Catarina Nascimento, 46, cozinheira e mãe de um aluno de 16 anos da 7ª série que ''nunca passa de ano mesmo''. ''Todo mundo tenta transferir os filhos para outra escola, já que nesta ninguém aprende nada.''
Pouco depois, o aluno W., de 14 anos, conta como foi expulso da escola, há três semanas. ''Eu joguei uma cadeira na coordenadora e já bati em vários professores'', diz. Como a dicção do menino é precária, pede-se que ele escreva o seu nome em um papel. Ele não consegue. ''Só sei copiar'', diz. ''Mas sou uma máquina copiadora.''


A evasão na esocla é grande. Uma das salas de aula começou o ano com 37 alunos -hoje só tem oito. Na classe de A., 14 anos, 8ª série, a lista de presença cita 24 alunos. Doze ainda vão. Na classe de J. e U., as brigonas da 7ª série, 24 se matricularam. Hoje, oito assistem às aulas. Segundo a Secretaria da Educação, a evasão total neste ano foi de apenas 19 alunos.


''Contidos no berro'' ?


Responsável pela operação da Polícia Militar na escola Amadeu Amaral, o capitão Alessandro Marcos de Oliveira disse ontem que os estudantes foram contidos no ''berro''. ''Com a criançada você dá dois ou três berros e eles sossegam um pouco. Se um mais exaltado vem para cima, você berra um pouquinho mais forte e ele pára'', disse o capitão.


Mas a versão do capitão não condiz com a versão dos estudantes e professores. A Folha conversou com ao menos 35 alunos e todos afirmaram que a PM utilizou cassetetes para conter o tumulto dentro da escola.


''A PM tratou os alunos como se fosse uma rebelião da Febem'', diz Leandra Firmino, 34, mãe de quatro filhos, três deles alunos do Amadeu. ''Aqui eles não voltam, mesmo que percam o ano.'' Na porta da escola, após a confusão, os jovens mostravam os machucados. L., 15, exibia sangue no peito: ''Fiquei trancado em uma sala, me deram soco e golpe de cassetete. A PM falava que era ela que mandava na escola.''


A estudante T., de 13 anos, que cursa a 7ª série, conta como apanhou dos policiais. Ela estava escondida na sua sala de aula, no segundo andar do prédio da escola, quando colegas vieram avisá-la de que sua irmãzinha, F., de dez anos, da 5ª série, estava jogada no chão de sua classe, inconsciente. ''Desmaiou de medo'', T. explica.


A adolescente saiu correndo para socorrer a caçula. Sentiu o ardor de uma forte cacetada nas costas, desferida por uma policial militar. T. correu, assim mesmo, rumo à classe da irmã. Tomou mais duas borrachadas. No caminho, viu crianças vomitando de medo.


Viu também a diretora da escola, Maria Regina de Negreiros, subindo as escadas e gritando: ''Não fui eu, não fui eu'', em resposta às perguntas dos alunos sobre se havia sido ela que acionara a PM. Em seguida, a própria Regina desmaiou. Durou dez minutos a ocupação da escola pela PM.


Incompetência tucana


O chefe-de-gabinete da Secretaria Estadual da Educação, Fernando Padula, disse ontem à Folha que as aulas na Escola Estadual Amadeu Amaral serão suspensas hoje e amanhã, a fim de que o estabelecimento seja colocado em condições de uso. Ele também disse que será convocado o Conselho de Escola -que reúne pais e professores- para decidir o que fazer em relação aos alunos que iniciaram as agressões.


Segundo Padula, a secretaria pretende instaurar uma apuração preliminar, para verificar o que causou o que ele chamou de ''fato atípico'', referindo-se à depredação e à ação dos policiais militares. Em nota oficial, a secretaria de Educação afirmou que ''a direção da escola tomou a atitude correta de acionar a polícia para conter os alunos envolvidos no caso.''


O episódio da escola ilustra bem a incompetência do PSDB para tratar questões de segurança e educação. Após quase 15 anos `afrente do governo estadual, os sucessivos governos do PSDB não foram capazes de melhorar a degradação do ensino nas escolas estaduais e, ao mesmo, tempo, a política de segurança do governo Serra tem sido marcada pelos sucessivos episódios de violência protagonizados pela Polícia Militar.


Pesquisa realizada pela Udemo (Sindicato de Especialistas de Educação do Magistério Oficial do Estado de São Paulo) em abril de 2008 revela que 86% de um total de 683 escolas estaduais entrevistadas relataram algum tipo de violência ocorrida em 2007. O sindicato enviou o questionário para 5.300 escolas de todo o Estado.


O percentual de violência relatado é similar ao obtido pela Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de SP) em pesquisa realizada em 2006. Na época, 87% dos professores entrevistados revelaram saber de casos de violência ocorridos na sua escola.


Segundo os dados da pesquisa da Apeoesp, a violência verbal ocorreu em 96% dos casos de violência. Os atos de vandalismo, em 88,5%; a agressão física, em 82%; furto, em 76%; assalto a mão armada, em 18%; violência sexual, em 9%; e assassinato, em 7%.
A pesquisa da Udemo revela que na capital apenas 12% das escolas não relataram nenhum tipo de violência. Na Grande São Paulo, o número cai para 3%. No interior, o número é de 18%. A pesquisa constatou também que 88% dos professores e funcionários foram desacatados, 85% dos alunos se envolveram em brigas e 21% das escolas registram ameaças de morte a alunos, professores, funcionários e direção.


A Udemo realizou pesquisa similar sobre violência em 2002 e 2000, com 300 e 496 escolas estaduais, respectivamente. De 2002 para 2007, as brigas envolvendo alunos passaram de 78% para 85%. O número de escolas que sofreram pichações passou de 40% para 60% e os danos a veículos passaram de 28% para 62%.


Para Maria Izabel Azevedo de Noronha, presidente da Apeoesp, uma das causas do aumento da violência é a diminuição da autoridade do professor. ''Retiraram a autoridade do professor e a autonomia do conselho. O conselho de escola é deliberativo, porque lá participam pais, professores, alunos e funcionários. Esse é o melhor coletivo para tomar qualquer decisão'', diz Noronha.
Segundo ela, existe orientação para que não sejam feitos boletins de ocorrência em casos de agressão, o que acaba distorcendo as estatísticas.


''O padrão que se tem na escola muitas vezes ainda é a educação autoritária, o que pode gerar conflitos cada vez maiores. Os alunos muitas vezes não são chamados para participar e entender as regras e ter uma convivência melhor naquele ambiente. No cotidiano, professores e alunos não estão conseguindo criar uma relação que seja positiva'', diz Carin Ruotti, socióloga e pesquisadora do NEV (Núcleo de Estudos da Violência) da USP.


''Nós queremos uma posição firme da secretaria e que a secretaria ouça um pouco mais os professores'', diz Noronha.


O professor Sérgio Kodato, coordenador do Observatório da Violência e Práticas Exemplares da USP de Ribeirão Preto, afirma que, casos como o de ontem, decorrem da fragilidade da falência das instituições. ''A violência é fruto da decadência das instituições, principalmente das escolas públicas. As instituições são mecanismos civilizatórios criados para diminuir os conflitos sociais. E quando não cumprem seu papel, vem à tona uma carga de violência. Pesquisas indicam que um terço dos alunos não sabe o que faz na escola. Um grupo grande de alunos não vê sentido na escola''.


Segundo ele, hoje não há só atos de vandalismo. ''São atos organizados, planejados, aquilo que na época de movimento estudantil chamávamos de união e organização. A maior vítima das escolas é o processo pedagógico. Perdendo ele, boa parte dos alunos se perde também. (...) São atitudes reativas, um grito contra o modelo que os incomoda. Para os alunos fazerem isso, deve ter tido um histórico de escola ruim, deteriorada e maltratada. É como uma rebelião, como nas ''boas'' épocas da Febem''.



Com informações da Folha de S. Paulo

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