Palhaço foi eleito deputado federal por SP com 1,35 milhão de votos. Suspeita sobre escolaridade se tornou pública após reportagem de revista.
Tiririca em campanha / Foto: IG |
Tiririca, o deputado federal mais votado do Brasil, está no meio de uma
polêmica sobre sua escolaridade. O Ministério Público de São Paulo,
estado que elegeu o artista com mais de 1,35 milhão de votos, acredita
ter provas de que o artista seja analfabeto. Seu Francisco, uma espécie
de padrinho de Tiririca em Itapipoca, cidade natal dele, no Ceará, diz
que o artista sabe ler e escrever.
O padrinho de Tiririca, ou melhor, de Francisco Everardo Oliveira Silva
mostra à reportagem a casa onde morou o artista. “Isso aqui era uma
bodega velha, antiga”, diz o padrinho, apontando para o imóvel. Muito
pobre, a família morava de favor. Quando Seu Francisco ia buscar o
pequeno artista para as apresentações no circo, ele conta que encontrava
a seguinte cena: “A mãe dizia: ‘Não pode ir agora não que ele está
fazendo dever’. Bichinho deitado no chão, escrevendo as coisas”,
relembra.
A reportagem pergunta se Tiririca escrevia alguma coisa mesmo, se sabia
escrever. “Ele sabe... Sabe escrever”, responde o padrinho.
Não há registro do aluno Francisco Everardo Oliveira Silva nas escolas
de Itapipoca, mas os moradores contam que, na época dele, era comum ter
aulas em casa ou então no antigo Movimento Brasileiro de Alfabetização
(Mobral), onde os alunos tinham aula fora da escola.
“Eu sei que a gente estudava junto. Tinha uma professora que vinha para
a casa da gente. Naquele tempo, não tinha negócio de colégio de estado,
de prefeitura. Não existia isso, não”, afirma a agricultora Maria
Socorro Sombra.
A reportagem também foi a Itapipoca e conversou com diretores
dos quatro colégios mais antigos da cidade, o Anastácio Alves Braga, o
Joaquim Magalhães, o Murilo Cerpa e o Monsenhor Tabosa, que não
encontraram documentos sobre a vida escolar do deputado que mais recebeu
votos no Brasil.
Apesar da falta de registros oficiais, não é possível garantir que
Tiririca não tenha estudado, já que grande parte das crianças da
periferia se preparava em casa antes de ingressar na escola formal. E
ele vivia de forma itinerante com a família entre os bairros Picos,
Jenipapo e Olho D'Água, na periferia pobre da cidade. Moradores dos
bairros onde Tiririca viveu reforçam a possibilidade de ele ter tomado
aulas de ensino fundamental em casas particulares.
Quem dava aula nestes locais era a professora Ana Isa Ávila de Braga, que hoje tem 78 anos. Ela disse a reportagem, no entanto, não se lembrar nem ter registros que possam comprovar a presença dele nas aulas.
"Fui professora de 1948 até 1977, no Jenipapo, no Circo Operário. Eu só
sei do Tiririca na televisão. Nunca conversei pessoalmente com ele. E
eu conheço todos os meus alunos, como o José Dário, o filho do Sebastião
Matias... Se ele tivesse sido meu aluno, eu recordava. Daqui deste
bairro, só existia eu e depois a minha irmã, que também não lembra de
ter dado aula para ele", afirmou.
Desde que chegou ao Ceará, na madrugada de segunda-feira (4), Tiririca
não deu declarações. Em sua página na internet, havia apenas a mensagem:
"Minha grande escola foi minha vida. Pensem nisso".
A reportagem foi a Fortaleza, até a casa de Ângelo, um dos filhos de
Tiririca. Quem apareceu foi a avó do rapaz. Mas, antes da entrevista,
uma ligação: era Ângelo. “Não quer que eu fale nada. É ordem do pai”,
diz a avó.
A suspeita sobre a escolaridade de Tiririca se tornou pública após
publicação de uma reportagem sobre o assunto na Revista Época. “Quando o
Tiririca começou a despontar como um dos candidatos que seriam mais bem
votados do país uma pessoa que trabalhou com ele, no meio artístico,
comentou: ‘Poxa vida, ele não sabe nem ler nem escrever e está indo tão
bem na eleição’. Esse foi o ponto inicial da nossa reportagem”, conta
Ricardo Mendonça, jornalista da revista.
“A gente resolveu acompanhar a campanha dele por dois dias aqui na
Grande São Paulo. Em dois momentos, resolvi convidar ele a ler alguma
coisa. Em um primeiro momento, eu peguei uma mensagem de celular, pedi
pra ele ler, ele ficou espantado, meio assustado, não leu. E, num
segundo momento, eu fiz duas perguntas. Na terceira pergunta eu pedi pra
ele ler e, aí, se criou uma pequena confusão”, conta o jornalista
Victor Ferreira.
A Revista Época tentou um último contato antes de publicar a
reportagem. “A assessora me disse que ele sabia ler e escrever. Então,
queria me encontrar com o Tiririca para ele ler alguma coisa, escrever, e
a suspeita se encerra aqui, a gente não publica essa matéria. Aí, ela
não autorizou, não quis. Enfim, achou que ia ser humilhante para o
candidato”, conta o jornalista Victor Ferreira.
O Ministério Público de São Paulo resolveu investigar o grau de
instrução de Tiririca. “A lei não obriga que seja de primeiro grau, de
segundo, superior, nada disso. Apenas um comprovante de escolaridade. Na
ausência desse comprovante, deve ser firmada, de próprio punho, uma
declaração de que o candidato sabe ler e escrever”, esclarece Maurício
Antônio Lopes, promotor de Justiça eleitoral de São Paulo.
Francisco Everardo Oliveira Silva apresentou a declaração ao Tribunal
Eleitoral. A letra, no entanto, é bem diferente da que aparece no
autógrafo dele. Uma perícia técnica, feita a pedido do Ministério
Público, apontou também irregularidades no texto: a letra "S" é escrita
de três maneiras diferentes, assim como as letras "R" e "D".
“Alguém que tinha uma escrita muito melhor do que aquela demonstrada no
papel procurou fazer-se passar por alguém que tivesse uma escrita
rudimentar, imitando, assim, o que talvez pudesse ser a caligrafia do
candidato”, observa o promotor.
Tiririca foi denunciado por falsidade ideológica e pode não assumir o
cargo. Pela Constituição, quem não sabe ler e escrever não pode ser
eleito. O artista, então, virou alvo de duas representações na Justiça.
Uma delas já foi aceita pelo juiz da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo,
Aloísio Sérgio Rezende Silveira, que deu prazo de dez dias para que a
defesa do artista se manifeste. Nesta representação, o promotor afirma
que Tiririca é analfabeto, o que descumpre uma exigência constitucional
para aqueles que pretendem ocupar cargos eletivos. A outra tem relação
com a possibilidade de o candidato ter falsificado a declaração de
próprio punho entregue ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE).
Tiririca tem até o dia 24 de outubro para apresentar sua defesa. Ele
terá de escrever, na frente do juiz, uma declaração igual à do registro
da candidatura. “Ser ou não alfabetizado é uma questão de oportunidade.
Agora, esconder a sua condição de analfabeto para disputar uma eleição
valendo-se de sua popularidade, isso não é oportunidade, isso é
oportunismo”, afirma o promotor Maurício Antônio Lopes.
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