Fosse mais um pouco e Toinho não conseguisse avisar, muitos teriam morrido. Quando a água acumulada de muita chuva arrebentou a parede do açude Esperança, em Canindé, o alerta já estava dado meia hora antes e a comunidade da Caiçarinha, em Choró, escapou. Várias propriedades e plantios foram destruídos
“Foi um tsunami isso aqui”, bem disse o fotógrafo, depois de seis dias de olhos apurados, circulando por áreas onde a chuva deixou seu rastro no Ceará. A comparação para descrever o que se passou ali, nas brenhas do Sertão Central, entre os municípios de Canindé e Choró. Foi o estrago do arrombamento do açude Esperança. Justamente esse nome, que o sertanejo tanto preza nos dias de reconstrução.
A água fez força, arrebentou o paredão de areia e desceu levando e lavando tudo. Por muita sorte, ou, segundo os de lá, pela atenção do padroeiro São Francisco, ninguém morreu. E também pela presteza e agilidade de gente como Francisco Antônio Pereira, o Toinho, um dos que correram para avisar ao povo da localidade Caiçarinha, perto dali, que a água estava passando por cima da parede do açude e iria arrebentá-lo. Menos de meia hora depois, aconteceu.
Cerca de 5 milhões de m³ de água, 5 bilhões de litros. A chuva fez o reservatório derramar por uns dias, até destruí-lo. Passados quase dois meses, ainda está tudo do mesmo jeito. Mais de 100 metros de parede partida. Cena de guerra dos tempos de enchente. A Prefeitura de Canindé diz não ter dinheiro para remendar o Esperança. Esperam ajuda do Estado, que já repassou R$ 200 mil à cidade.
“Não foi só esse. Foram 33 açudes que arrombaram aqui. Fora os que estão danificados, com problemas de rachadura”, confirma a coordenadora local da Defesa Civil, Célia Lobo. Aí a lista sobe para 51 reservatórios. De pequeno porte, domésticos, mas capazes de causar danos. A devastação do Esperança, o maior deles em problema, atingiu terras de Canindé a Choró. Destruiu plantios inteiros de milho e feijão, derrubou duas casas, trincou paredes e alicerces de outras várias. No caminho, uma oiticica centenária continua emborcada, de raiz para o alto, desde a passagem da água.
O estouro do Esperança aconteceu no dia 25 de abril. Depois de dois torós grandes, de 105mm (dia 21) e 185mm (dia 24). Anotados por seu Francisco de Queiroz Castilho, 82, que é apontador de chuvas para a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme). Lá o conhecem por seu Jovem. Mora na Esperança desde 1958. Viu o açude ser feito, entre 1961 e 1963, pelo fazendeiro da área, Pedro Alves Mesquita, já falecido, com ajuda do Governo do Estado. O lugar foi desapropriado e há quase 25 anos é o assentamento Cacimba de Dentro.
“Estrondo medonho”
No comecinho daquela madrugada, seu Francisco Pereira dos Santos, 55, já havia ido dormir com mau pressentimento. A chuva não cessava desde cedo e intuição de gente do campo tem pé e cabeça. O agricultor estava certo. Por volta de 1h30min, veio o “estrondo medonho” no meio da escuridão. Ele e a esposa, dona Maria Helena Pereira, 56, levantaram assustados. Pegaram as duas filhas e correram para fora da casa. Era a braveza das águas que estourara o reservatório.
A casa deles está a menos de 100 metros do local arrebentado. É a mais próxima entre todos os moradores de Esperança. Fica no alto, por sorte, manteve-se intacta. Mesmo assim, a água “bateu na porta”, conta dona Helena. A plantação, de três hectares de milho e feijão, foi toda embora. “Eu tava vendo a nossa casinha desmoronar. Se fosse mais embaixo, não sobraria nada. Foi horrível”.
Quando saíram de casa, o filho Toinho, que mora em frente, já estava no portão. Sem camisa e descalço, apenas de calção, Toinho saiu correndo em direção a Caiçarinha, que já pertence a Choró. Correu os dois quilômetros que separam os distritos em cinco minutos, conta. Precisava avisar os moradores, pois o local seria o primeiro alvo das águas. Conseguiu.
Se não fosse Toinho, a enxurrada teria matado dona Maria Luiza de Araújo, 84, e os três filhos e três netos que dormiam na casa. “Eu fiquei me tremendo todinha. Foi só o tempo de correr lá para cima e esperar. Foi Deus quem mandou esse rapaz aqui”, agradece dona Luiza. Em pouco menos de meia hora, a água chegou varrendo a casa da família. Perderam tudo: guarda-roupa, televisão, fogão. As galinhas e os porcos foram levados pela enchente.
Antes das cinco da manhã, a filha de dona Luiza, Antônia Lúcia, 51, conta que a casa já havia desabado por completo. “Foi horrível ver nosso cantinho se desmanchando”, diz ela. A mãe, que mora no distrito há mais de 55 anos, construiu a casa há pouco mais de 20. Enquanto a ajuda prometida pela Prefeitura não chega, a família mora de favor com um parente. Felizmente, só danos materiais. “Não foi sorte, não. É São Francisco que não deixa que nenhum mal aconteça com o povo dele”, endossa a própria coordenadora da Defesa Civil, Célia Lobo.
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claudioribeiro@opovo.com.br
thiago@opovo.com.br
Cláudio Ribeiro e Thiago Cafardo (textos)
Edimar Soares (fotos)
Enviados ao Sertão Central
Jornal O Povo
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“Foi um tsunami isso aqui”, bem disse o fotógrafo, depois de seis dias de olhos apurados, circulando por áreas onde a chuva deixou seu rastro no Ceará. A comparação para descrever o que se passou ali, nas brenhas do Sertão Central, entre os municípios de Canindé e Choró. Foi o estrago do arrombamento do açude Esperança. Justamente esse nome, que o sertanejo tanto preza nos dias de reconstrução.
A água fez força, arrebentou o paredão de areia e desceu levando e lavando tudo. Por muita sorte, ou, segundo os de lá, pela atenção do padroeiro São Francisco, ninguém morreu. E também pela presteza e agilidade de gente como Francisco Antônio Pereira, o Toinho, um dos que correram para avisar ao povo da localidade Caiçarinha, perto dali, que a água estava passando por cima da parede do açude e iria arrebentá-lo. Menos de meia hora depois, aconteceu.
Cerca de 5 milhões de m³ de água, 5 bilhões de litros. A chuva fez o reservatório derramar por uns dias, até destruí-lo. Passados quase dois meses, ainda está tudo do mesmo jeito. Mais de 100 metros de parede partida. Cena de guerra dos tempos de enchente. A Prefeitura de Canindé diz não ter dinheiro para remendar o Esperança. Esperam ajuda do Estado, que já repassou R$ 200 mil à cidade.
“Não foi só esse. Foram 33 açudes que arrombaram aqui. Fora os que estão danificados, com problemas de rachadura”, confirma a coordenadora local da Defesa Civil, Célia Lobo. Aí a lista sobe para 51 reservatórios. De pequeno porte, domésticos, mas capazes de causar danos. A devastação do Esperança, o maior deles em problema, atingiu terras de Canindé a Choró. Destruiu plantios inteiros de milho e feijão, derrubou duas casas, trincou paredes e alicerces de outras várias. No caminho, uma oiticica centenária continua emborcada, de raiz para o alto, desde a passagem da água.
O estouro do Esperança aconteceu no dia 25 de abril. Depois de dois torós grandes, de 105mm (dia 21) e 185mm (dia 24). Anotados por seu Francisco de Queiroz Castilho, 82, que é apontador de chuvas para a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme). Lá o conhecem por seu Jovem. Mora na Esperança desde 1958. Viu o açude ser feito, entre 1961 e 1963, pelo fazendeiro da área, Pedro Alves Mesquita, já falecido, com ajuda do Governo do Estado. O lugar foi desapropriado e há quase 25 anos é o assentamento Cacimba de Dentro.
“Estrondo medonho”
No comecinho daquela madrugada, seu Francisco Pereira dos Santos, 55, já havia ido dormir com mau pressentimento. A chuva não cessava desde cedo e intuição de gente do campo tem pé e cabeça. O agricultor estava certo. Por volta de 1h30min, veio o “estrondo medonho” no meio da escuridão. Ele e a esposa, dona Maria Helena Pereira, 56, levantaram assustados. Pegaram as duas filhas e correram para fora da casa. Era a braveza das águas que estourara o reservatório.
A casa deles está a menos de 100 metros do local arrebentado. É a mais próxima entre todos os moradores de Esperança. Fica no alto, por sorte, manteve-se intacta. Mesmo assim, a água “bateu na porta”, conta dona Helena. A plantação, de três hectares de milho e feijão, foi toda embora. “Eu tava vendo a nossa casinha desmoronar. Se fosse mais embaixo, não sobraria nada. Foi horrível”.
Quando saíram de casa, o filho Toinho, que mora em frente, já estava no portão. Sem camisa e descalço, apenas de calção, Toinho saiu correndo em direção a Caiçarinha, que já pertence a Choró. Correu os dois quilômetros que separam os distritos em cinco minutos, conta. Precisava avisar os moradores, pois o local seria o primeiro alvo das águas. Conseguiu.
Se não fosse Toinho, a enxurrada teria matado dona Maria Luiza de Araújo, 84, e os três filhos e três netos que dormiam na casa. “Eu fiquei me tremendo todinha. Foi só o tempo de correr lá para cima e esperar. Foi Deus quem mandou esse rapaz aqui”, agradece dona Luiza. Em pouco menos de meia hora, a água chegou varrendo a casa da família. Perderam tudo: guarda-roupa, televisão, fogão. As galinhas e os porcos foram levados pela enchente.
Antes das cinco da manhã, a filha de dona Luiza, Antônia Lúcia, 51, conta que a casa já havia desabado por completo. “Foi horrível ver nosso cantinho se desmanchando”, diz ela. A mãe, que mora no distrito há mais de 55 anos, construiu a casa há pouco mais de 20. Enquanto a ajuda prometida pela Prefeitura não chega, a família mora de favor com um parente. Felizmente, só danos materiais. “Não foi sorte, não. É São Francisco que não deixa que nenhum mal aconteça com o povo dele”, endossa a própria coordenadora da Defesa Civil, Célia Lobo.
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